- Fiquei velho na época errada...
- Como?
Toda
a minha vida foi assim. Cheguei às diferentes fases da vida quando elas já
tinham perdido suas vantagens. Ou antes, de elas adquirirem vantagens novas.
Passei a vida com aquela impressão de quem chegou à
festa quando ela já tinha acabado ou saiu quando ela ia ficar boa.
Veja
você: a infância. Houve um tempo em que crianças da minha classe eram tratadas
como príncipes. Está certo, também apanhavam muito. Mas havia as compensações.
Geralmente a avó morava junto e consolava com colo ou doce. E as mães não
trabalhavam fora. Favam em casa inventando maneiras de estragar os filhos.
-
Você alguma vez teve roupa de veludo?
-Não.
Nem
eu. Sou da primeira geração pós-veludo e pré-jeans. Às vezes olho fotografias
daquelas crianças antigas com roupas ridículas, golas rendadas, babados e me dá
uma inveja. Aquilo sim era maneira de tratar uma criança. Acho que a minha
geração deu no que deu porque nunca usou cacho e roupa de veludo. Pode ser...
-Outra coisa: psicologia.
Fui da primeira geração criada com psicologia. Nada
de castigo só conversa. Ele rabiscou toda a parede? Está tentando expressar
alguma coisa. E usou o batom da mãe? Ih, cuidado, uma surra agora pode
traumatizá-lo para sempre. Também fui da primeira geração que não precisou
decorar a tabuada e da última antes da calculadora de bolso.
- Resultado: cresci sem a noção de duas coisas
importantíssimas: pecado e matemática.
Cheguei tarde à infância e muito cedo à juventude. A
revolução sexual começou um dia depois que eu casei com a minha mulher porque
era a única maneira de poder dormir com ela. Nós casamos num sábado e a
revolução sexual começou no domingo. Ainda tentei desfazer o casamento.
"Agora não precisa mais!" Mas estava feito.
Minha adolescência foi um martírio. Lembro-me dela
como uma única e interminável tentativa de desenganchar sutiãs. Os sutiãs eram
presos atrás de mil maneiras. Ganchos, presilhas, botões, solda. Você precisava
de um curso de engenharia para desengatá-los. Uma namorada minha usava um sutiã
com uma fechadura atrás. Com combinação, juro! Dezessete para a esquerda, cinco
pra direita, rápido que a mãe vem vindo! Você, garoto, nem deve saber o que é
sutiã.
Eu
pensava ser um jovem adulto sério, engajado nas melhores causas, talvez até um
ativista político, um guerrilheiro. Quando cheguei à maior idade, os jovens
adultos estavam cuidando das suas carreiras e carteiras de ações. Fui da primeira
geração que quando falava em ir para as montanhas queria dizer para o fim de
semana. E a última que ainda usou a palavra "alienação", mas aí não
sabia bem o que era.
Tudo
bem pensei. Vou me preparar para a velhice e os seus privilégios, com minha
pensão e meus netos. Mas a Previdência está quase me quebrando e meus netos
quando me olham parecem estar me medindo para uma casa geriátrica.
-
E há meia hora que eu estou aqui chateando você e Você ainda não se levantou
para me dar o seu lugar.
-
Qual é, coroa? Essa de dar o lugar pros mais velhos já era...
Crônica de Luiz Fernando Veríssimo, publicado na
revista VEJA em 28 DE MAIO de 1986.
Post(324) - Novembro de 2023