sábado, 4 de novembro de 2023

Metafísica



Einstein morreu e foi para o céu, o que o surpreendeu bastante. Assim que chegou, Deus mandou chamá-lo.

- Einstein! - exclamou Deus quando o avistou.

- Sim Todo-Poderoso! Exclamou Einstein, já que estavam usando sobrenome.  Você está muito bem para uma projeção antropomórfica da compulsão monoteísta judaico-cristã.

- Obrigado. Você para um morto também está ótimo. Eu tinha muita curiosidade em conhecer você - disse Deus.

- Não me diga. Juro por Mim. Eu também há anos que Eu espero esta chance.

- Puxa...Não é confete, não. É que tem uma coisa que eu queria lhe perguntar...

- Pois pergunte. Tudo o que descobri foi por estudo e observação.

- Bem... Quer dizer, foi preciso que Eu criasse um Copérnico, depois um Newton etc. para que houvesse um Einstein. Tudo numa progressão natural.

- Imagino.

- E você chegou às suas conclusões estudando o que outros tinham descoberto e fazendo suas próprias observações de fenômenos naturais. Desvendando os meus enigmas.

- Aliás, parabéns, hein? Não foi fácil. Tive que suar muito.

- Obrigado. Mas a teoria geral da relatividade?...Perguntou Deus.

- Sim?

-Você tirou do nada.

- Bem, eu...

- Não me venha com modéstia - interrompeu Deus. - Você já está no céu, não precisa mais fingir. Você não chegou à teoria geral da relatividade por observação e dedução. Você a bolou. Foi uma sacada. É ou não é?

-É.

- Maldição! - gritou Deus.

- O que é isso?

- Não se escapa da metafísica! Sempre se chega a um ponto em que não há outra explicação. Eu não agüento isso! Mas escuta... Eu não suporto a metafísica!

- Mas a minha teoria ainda não está totalmente provada...

- Mas ela está certa. Eu sei. Fui eu que criei tudo isso.

 -Pois então? Você fez muito mais do que eu. Einstein tentou acalmar Deus.

- Não tente me consolar, Einstein. Você criou do nada. Você não entendeu? Eu sou Deus. Eu sou a minha própria explicação. Mas você? Você não tem desculpa. Com você foi metafísica mesmo.

- Desculpe. Eu...

- Tudo bem. Pode ir.

- Tem certeza que não quer que eu...

- Pode ir. Eu me recupero. Vai, vai.

Quando Einstein saiu, viu que Deus se dirigir para o armário das bebidas.

Crônica de Luiz Fernando Veríssimo publicado na revista Veja em 11 de maio de 1988

Post (325) – Novembro de 2023